O milagre da fonte da Gomeira

E ao atingir Tavila, e mal ao atravessar a ponte, Genoveva Pessanha pôde contemplar, o rio pleno de naus com todas as formas de velas e feitios, de todas as cores, umas acabadas de chegar, a ancorar e a iniciar o desembarque, e uma azáfama de gente que pareciam formigas vistas de longe, ao longe da estreita margem direita do Gilão, desde a Torre do Mar até perder-se lá ao fundo, onde se via o reflexo do Sol, onde as águas do rio finalmente encontravam descanso em mar aberto. Parecia que o próprio rio resplandecia de ouro contagiado pelas riquezas que as naus transportavam. O toque de Midas havia atingido o Gilão !

Samuel Viana (‘O milagre da Fonte da Gomeira’)

Em meados do século XV, em plena expansão marítima portuguesa, Tavira (aqui chamada Tavila), no leste do Algarve (Portugal) é um importante local de suporte às expedições no norte de África e ponto de contactos comerciais entre o Atlântico e o Mediterrâneo. Lidera a alfândega Diogo Lopes da Franca, descendente de uma família genovesa radicada em Tavila. Um estranho mau agoiro paira sobre a família, mas isso não impede Diogo Lopes de manter o seu prestígio e melhorar os rendimentos das terras que lhe foram adjudicadas. Para isso, vai contar com uma ajuda inesperada e no final, uma mão sobrenatural intervém para redimir os acontecimentos. A maior parte dos personagens foram figuras históricas reais, como os Corte Reais e os Pessanhas, que na altura viveriam numa das mais importantes localidades algarvias.

Todas as terras e regiões merecem ter a sua história e, a pensar nisso, decidi dar asas à criatividade e conceber um conto para “dar vida”, com base em factos e personagens históricos, a uma obra de ficção que tenta, juntando acontecimentos ocorridos em meados do século XV, em plena expansão portuguesa. Em 2018 lancei um pequeno rascunho no blog, mas agora decidi finalmente paginar e dar um aspecto “acabado” ao livro, estando disponível para aquisição nos locais abaixo apresentados.

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Um estudo demográfico da paróquia da Conceição de Tavira (1750-1890)

Aconteceu por acaso fazer uma pesquisa sobre a freguesia no Google Scholar, um motor de busca da Google dedicado especialmente a publicações científicas. E por acaso encontrei o documento que segue em epígrafe neste artigo, escrito por J.A. de Faria Pinto. Nele, o autor sumarizou o seu estudo dos registos paroquiais da freguesia debatendo os resultados do ponto de vista da natalidade, fecundidade, mortalidade e mobilidade.

O período segue de 1686 a 1890, com interrupções, sendo que na altura da redacção do documento (1998) por imperativos legais a consulta dos registos posteriores a esse ano não era possível.

Em termos breves, o autor descreve em traços largos o ambiente geo-social da freguesia: que a mesma tem uma área serrana onde impera a monocultura de cereais em contraste com o litoral onde são mais vulgares as culturas de sequeiro. O autor cita duas datas: 1732, data da constituição da Companhia de Pescas da Armação do Medo das Cascas e 1772, quando o Marquês de Pombal devolveu a propriedade da serra de Tavira aos montanheses após a queixa por partes deste do sr. Vaz Velho à autoridade central (ver Os “Vaz Velho” de Tavira – a delacção ). No primeiro caso foi a principal razão da constituição da povoação de Cabanas, e o autor refere que a população da localidade litoral nunca chegou a superar o efectivo populacional das gentes da serra.

O autor cita Henrique Sarrão que no princípio da centúria de seiscentos refere a freguesia ter cerca de 500 fregueses. E mais tarde, em 1758, após os questionários do Marquês de Pombal sobre a situação do país após o terramoto, o Dicionário Geográfico (ver Referências de Conceição de Tavira nas obras de Luís Cardoso (1747-67)).

Evolução da população da freguesia entre 1770 a 1850 (op.cit.,p.278)

Segundo o autor, as razões das quebra de 1790 está relacionada com o abandono das Cabanas da Armação após a constituição da Companhia de Pescarias do Algarve em Tavira. Em 1835 ter-se-à devido à epidemia de Cólera. De 1810 a 15 temos as invasões francesas. O autor refere ainda existirem apenas referidos 29 proprietário no período completo do estudo. Provavelmente pequenos proprietários concentrados na serra, uma vez que os férteis solos do barrocal eram propriedade da aristocracia da cidade.

Pinto, J. A. de Faria (1998), “Estudo demográfico de uma paróquia algarvia: Conceição
de Tavira (séculos XVIII e XIX)”, Boletín de la Asociación de la Asociación
de Demografía Histórica, XVI – I, pp. 275-295

Fonte original do artigo:

Estudo demográfico de uma paróquia algarvia: Conceiçao de Tavira (séculos XVIII e XIX) – Dialnet (unirioja.es) .

de-Faria-Pinto-1998-Estudo-demografico-de-uma-paroquia-algarvia-Conce

A revolução liberal do Porto (1820) e Tavira

Ilustração de Roque Gameiro (1917) retratando a Revolução Liberal do Porto (1820)

Foi na cidade invicta que teve lugar precisamente no dia de hoje há 200 anos que eclodiu a revolução liberal composta por militares que deu início ao Vintismo, num Portugal cansado com a ausência do Rei no Brasil e de ser um protectorado (regido por William Beresford, lugar-tenente de Wellington) britânico desde as invasões francesas. Três anos antes, tinha tido lugar uma conspiração em Lisboa falhada após denúncias, sob a influência da loja maçónica do Grande Oriente Lusitano , dirigida pelo general Gomes Freire de Andrade, que havia sido executado.

Como consequência do golpe, foi instituída um Junta Provisional, que se encarregaria de convocar cortes em Lisboa, exigindo entre outras medidas o regresso da família real no exílio e a elaboração de uma constituição, que haveria de ser aprovada em 1822. Este pequeno episódio de governo liberal seria abruptamente terminado no ano seguinte, com os golpes da Vilafrancada e Abrilada, em ambos tendo como rosto principal o Infante D. Miguel.

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A visita do Bispo à igreja da Conceição a 1 de Julho de 1712

Nas igrejas cristãs, o Crisma ou Confirmação é um dos sete sacramentos para além do baptismo, primeira comunhão e matrimónio que todo o cristão praticante deve conseguir durante a sua vida. Na Igreja Católica, esta cerimónia é presidida por um bispo e consiste numa unção com azeite sobre o fiel aplicada por ele. Menos frequentemente, porque nem sempre o Bispo podia visitar todas as paróquias da sua diocese, estes acontecimentos aparecem registados nos livros paroquiais. Trata-se de um rol de crismados. No caso da paróquia da Conceição, são dois: um em 1690 e outra em 1 de Julho de 1712, a que este artigo vai fazer referência.

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Entre que mãos onde andou a saltar o “Mato da Ordem”

O “Mato da Ordem”, juntamente com a Arrancada, em mapa da CM Tavira (https://mapas.cm-tavira.pt/site/app#home)

Inscrição do Mappa das Terras do Almargem da autoria de Sande de Vasconcelos (1792?) com a inscrição “Conde de Sandomil”

Já aqui fizémos referência ao “Mato da Ordem“, que foi criado como um foro da família Corte-Real cerca de 1485 sob o desígnio da Ordem de Santiago. O que é estranho é que chegamos a 1885 e Estácio da Veiga(1), proprietário da Arrancada, fazenda contígua com o Mato da Ordem, relata que a propriedade vizinha foi vendida pela Casa de Palmela a um tavirense de nome José Maria Parreira.

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  • (1) segundo o que relata Anica na Monografia de Cabanas (2011)

500 anos da mui nobre e leal cidade de Tavira

 
Armas da cidade de Tavira (no folio 10), segundo o Tesouro da Nobreza por Fernando Coelho (c. 1675)Há 500 anos, precisamente neste dia, sua majestade o venturoso rei D. Manuel I erigiu a cidade de Tavira à condição de cidade tornando-se a primeira cidade do Algarve, em domínio português, a ser alvo desse galardão (Silves já o era por ser na altura sede da diocese do Algarve).

Várias razões estiveram por detrás da decisão régia, como a posição de Tavira como cabeça na estratégia militar da nação para a costa marroquina, ponto de comércio com o mediterrâneo, e a sua população, onde viveriam na altura três mil vizinhos, segundo Frei João de São José na sua Coreografia do Reino do Algarve, que para mais diz no parágrafo de abertura sobre Tavira, no capítulo dedicado a cada uma das urbes da região:

A cidade de Tavira, sem algũa dúvida, é, ao presente, e foi sempre a principal de todo o reino do Algarve, não só na grandeza da povoação e dotes que a natureza repartiu com o solo do seu sítio, mas também na nobreza dos moradores dela, que são as três excelências que fazem ũa terra nobre e que com rezão se pode gloriar delas.

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A evolução da Costa de Tavira à foz do Guadiana do séc. XVIII ao séc. XX .

Já foi tema neste local a influência que a configuração da costa tem no desenvolvimento social e político das populações. O que não foi referido é que esta costa é um palco mutável e dinâmico, que se vai modificando de uma forma perceptível  no espaço de duração de uma vida humana. Alterações bruscas poderão ter lugar como de certeza tiveram como os grandes fenómenos de envergadura sísmica, mas no geral as alterações são graduais. Estamos numa costa que é dominada em grande parte por dois grandes pontos de dinâmica costeira como o são a Ria Formosa e a foz do Guadiana. O input de sedimentos e as correntes dominantes da ondulação costeiras são os dois principais “cozinheiros”. Relativamente a poder fazer a inventariação temporal esta está altamente dependente da perícia dos cartógrafos. E como estes, a precisão. Neste ponto, penso que o talento do engenheiro militar José Sande Vasconcelos permite balizar um antes e depois neste aspecto. O militar não era perfeito e o grau de sofisticação tem que ser lido de acordo com a sua época. Mas no geral, o seu traço permite usar as suas cartas como o princípio da galeria que vamos apresentar de seguida.

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Os Vaz Velho – Parte V : As origens catalãs da esposa do cozinheiro

Brasão da Catalunha (fonte: Wikipedia)

No primeiro artigo desta série dedicada aos Vaz Velho, e quem tivesse atentado na árvore Genealógica desse artigo, deve ter reparado no nome da esposa de Manuel Vaz Velho, o cozinheiro real, que fundou esta casa tinha como esposa Rosa Maria Baram y Columé. O nome soa a castelhano, mas na realidade é catalão, sendo esta senhora natural da paróquia de Santa Maria del Mar, em Barcelona.
Ora sabe-se que Manuel esteve na Catalunha porque começou por ser sumiller (isto é, copeiro) do Conde do Redondo quando este esteve em Barcelona, antes do início da Guerra de Sucessão Espanhola (1701-14). Para ser breve, pode-se dizer que esta guerra surgiu de um impasse na sucessão na coroa espanhola fruto da morte do último Habsburgo  espanhol, Carlos II, sem descendentes directos: e formaram-se dois partidos: um que apoiava Filipe De Bourbon, neto de Luís XIV de França e outro, em que Portugal apoiou, apoiando o Habsburgo austríaco, o arquiduque Carlos. Em Espanha diferentes regiões apoiavam um dos partidos: em Castela  os Bourbon e na Catalunha os Habsburgo. Foi exactamente na Catalunha que Manuel Vaz Velho se encontraria na corte do arquiduque austríaco Carlos, tendo como esposa  a tal senhora catalã. Após diferentes voltes-face, a guerra terminou em 1714 com o tratado de Utreque e o reconhecimento do pretendente Bourbon como rei de Espanha como Filipe V. Uma das filhas do cozinheiro, Maria Francisca casou-se com um militar catalão, do partido apoiante dos austríacos, exilado em Faro, Bento Romanguer, da qual ainda hoje existe descendência em Portugal, nomeadamente o autor do blogue que serve de fonte para este artigo.

Fonte: Artigo de João Paulo Esquivel em Um Austracista Catalão exilado em Portugal relembrado por um seu descendente (1714/2014)